Composição de 1935

Seu Jacinto

Letra

O que eu sinto e não consinto
É seu cinto se afrouxar
Seu Jacinto aperta o cinto
Bota as calças no lugarO seu Jacinto tinha que comprar feijão
Mas não tinha um só tostão
E o caixeiro estava duro
Ele não gosta de pagar feijão à vista
Porque sendo futurista
Paga sempre pro futuroO seu Jacinto que é cheio de chiquê
Eu não sei dizer por quê
Dorme de cartola e fraque
Anda dizendo que o seu sonho dourado
É morrer esmigalhado
Por um carro CadillacO seu Jacinto já arranca a sobrancelha 
E só bebe mel de abelha
Para ser um doce amor
A tia dele que até hoje é melindrosa
Quer ser leve e vaporosa
E tomar banho de vaporQuando tem baile lá na casa da Teresa
Ela faz pano de mesa
Com o lençol que cobre a cama
Bota nos copos água usada na banheira
Depois diz à turma inteira
Que é cerveja lá da Brahma

História da Canção

“Seu Jacinto”, composta por Noel Rosa em 1935, é um retrato afiado e bem-humorado de um tipo urbano que pululava no Rio de Janeiro da época. Através da figura de Jacinto, Noel tece uma teia de observações sobre as aparências, a vaidade e as dificuldades financeiras em um Brasil que tentava modernizar-se, mas ainda lidava com as velhas mazelas sociais.

A letra inicia com um jogo de palavras sobre o "cinto" que afrouxa, sugerindo uma maleabilidade moral ou uma falta de decoro, logo emendada pela urgência de "apertar o cinto", uma clara alusão à escassez financeira. Jacinto é um homem que, apesar de não ter "um só tostão", exibe um comportamento "futurista", pagando "sempre pro futuro" – uma forma eufemística de descrever sua incapacidade de arcar com as despesas imediatas, como o feijão.

Noel não poupa a crítica à superficialidade e ao desejo de ascensão social. Jacinto "dorme de cartola e fraque" e sonha em "morrer esmigalhado por um carro Cadillac", uma imagem que mistura o desejo de luxo com um fim trágico e grandioso, típico da ironia de Noel. Sua vaidade é ressaltada quando "arranca a sobrancelha" e "só bebe mel de abelha para ser um doce amor", características que hoje poderiam ser vistas como metrosexuais, mas que na época podiam denotar uma preocupação exagerada com a imagem ou mesmo uma certa efeminação.

A música se expande para outros personagens e situações que reforçam o tema das aparências. A tia "melindrosa" que quer ser "leve e vaporosa" e tomar "banho de vapor" é uma referência às mulheres modernas dos anos 20 e 30. A casa de Teresa, onde se faz "pano de mesa com o lençol" e se serve "água usada na banheira" como se fosse "cerveja lá da Brahma", é um escárnio sobre a engenhosidade (e desonestidade) em manter as aparências em eventos sociais, mesmo com recursos limitados. Essa passagem é um exemplo brilhante do olhar cirúrgico de Noel para os detalhes do cotidiano carioca.

“Seu Jacinto” é, portanto, mais do que uma canção; é um documento social que revela o gênio de Noel Rosa em satirizar os costumes e as contradições de sua época, com um humor inteligente e mordaz que permanece atual.

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