Composição de 1935 (aproximado)

Século do progresso

Letra

A noite estava estrelada
Quando a roda se formou
A Lua veio atrasada
E o samba começouUm tiro a pouca distância
No espaço forte ecoou
Mas ninguém deu importância
E o samba continuouEntretanto ali bem perto
Morria de um tiro certo
Um valente muito sério
Professor dos desacatos
Que ensinava aos pacatos
O rumo do cemitérioChegou alguém apressado
Naquele samba animado
Que cantando assim dizia
No século do progresso
O revólver teve ingresso
Pra acabar com a valentiaUm tiro a pouca distância

História da Canção

Os versos de "Século do Progresso" revelam um Noel Rosa no auge de sua observação social e ironia mordaz. A canção, que não figura entre seus maiores sucessos, é um retrato sombrio e, ao mesmo tempo, melancólico da vida urbana do Rio de Janeiro na década de 1930. A narrativa começa com a descrição de uma noite estrelada e um samba animado, um cenário típico da boemia carioca tão presente na obra do Poeta da Vila.

Entretanto, essa atmosfera festiva é abruptamente quebrada por um tiro, seguido de uma indiferença chocante: "Mas ninguém deu importância / E o samba continuou". Essa passagem é um ponto central da crítica de Noel. Ela expõe a banalização da violência e uma certa fatalidade ou desensibilização diante da morte que permeava o cotidiano da cidade. A ironia se aprofunda quando o alvo do tiro é revelado: um "valente muito sério", um "Professor dos desacatos", figura que personifica o malandro tradicional, o homem de respeito e "valentia" que, paradoxalmente, "ensina aos pacatos / O rumo do cemitério".

O clímax da crítica social vem com a estrofe: "No século do progresso / O revólver teve ingresso / Pra acabar com a valentia". Aqui, Noel Rosa questiona o conceito de progresso. Ele sugere que a modernidade, simbolizada pelo revólver, não trouxe uma evolução moral, mas sim uma forma mais rápida e impessoal de resolver conflitos, resultando no fim de um código de honra (ou desonra, dependendo do ponto de vista) antes regido pela força física e pela astúcia. É uma lúgubre reflexão sobre a transição de um Rio boêmio e malandro para uma metrópole que abraçava a violência como um novo "progresso".

A música serve como um testemunho da genialidade de Noel em capturar as nuances e contradições de sua época, transformando o cotidiano em uma profunda reflexão sobre a sociedade carioca. Embora não seja um sucesso radiofônico, seu valor histórico é imenso para entender a perspectiva crítica do Poeta da Vila.

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#Noel Rosa#Samba#Crítica Social#Rio de Janeiro#Anos 30#Violência Urbana#Malandragem

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