Não há castigo

As letras de 'Não Há Castigo' ressoam profundamente com o universo temático de Noel Rosa, embora a canção específica não seja uma das suas obras mais reconhecidas ou registradas com este título. No entanto, a picardia, a inversão de papéis e a referência à peregrinação à Igreja da Penha são elementos distintivos da sua genialidade e do contexto carioca dos anos 1930.

A subida à Penha, com suas longas escadarias, era um local de devoção e também de encontros, promessas e desafios amorosos na época. Noel, com sua sagacidade, frequentemente transformava aspectos do cotidiano e das tradições populares em sambas que capturavam a alma do Rio. Aqui, a voz narrativa, que impõe ao seu parceiro (ou pretendente) uma série de 'obrigações' – pagar passagem, carregar bagagem, e o ápice, subi-lo(a) nas costas de olhos vendados para 'pagar pecados' e 'ganhar o perdão' – é um exemplo clássico da sua ironia.

Essa dinâmica de poder invertido e humor sutil é uma marca registrada de Noel. Ele explorava as relações interpessoais com um olhar crítico, mas quase sempre temperado por uma dose de leveza e malandragem. A exigência de 'carregar nas costas' e 'subir de olhos vendados' pode ser vista como uma metáfora para a cegueira e o esforço que o amor, ou a busca pelo perdão, podia exigir do 'malandro' ou do amante na visão de Noel. É um desafio disfarçado de 'não castigo', onde a 'vantagem' é toda do narrador, e a 'obrigação' recai sobre o outro, com a 'coragem' como o teste final. Reflete o espírito do samba-canção da época, que frequentemente abordava as complexidades e os jogos de sedução do amor carioca.