Mulata fuzarqueira
Letra
Mulata fuzarqueira, artigo raro Que samba de dar rasteira E passa as noite inteira em claro Não quer mais saber de preparar as gordura Nem usar mais das costura O bom exemplo já te dei Mudei a minha conduta Mas agora me aprumeiMulata fuzarqueira da gamboa Só anda com tipo à toa Embarca em qualquer canoaMulata, vou contar as minhas mágoa Meu amor não tem R Mas é amor debaixo d'água Não gosto de te ver sempre a fazer certos papel A se passar pros coronel Nasceste com uma boa sina Se hoje andas bem no luxo É passando a beiçolinaMulata, tu tem que te preparar Pra receber o azar Que algum dia há de chegar Aceita o meu braço e vem entrar nas comida Pra começar outra vida Comigo tu podes viver bem Pois aonde um passa fome Dois podem passar também
História da Canção
A canção "Mulata Fuzarqueira", embora não seja uma das mais célebres no repertório de Noel Rosa, carrega a inconfundível marca do Poeta da Vila em sua lírica e temática. Inserida no contexto efervescente do Rio de Janeiro da década de 1930, período de intensa urbanização e boemia, a letra de Noel é um retrato vívido e, ao mesmo tempo, uma crítica sutil às transformações sociais e aos tipos humanos que habitavam a Lapa e os subúrbios cariocas.
Noel Rosa, um observador perspicaz do cotidiano, utiliza a figura da mulata fuzarqueira como um arquétipo. Ela é a mulher que se recusa aos afazeres domésticos ("Não quer mais saber de preparar as gordura / Nem usar mais das costura") para viver uma vida mais livre, talvez no limite da malandragem, frequentando ambientes boêmios e se relacionando com "tipos à toa". Essa liberdade, no entanto, é vista pelo eu-lírico com uma mistura de fascínio e censura.
A canção é rica em elementos típicos da escrita de Noel. O jogo de palavras em "Meu amor não tem R / Mas é amor debaixo d'água" é um exemplo clássico de sua inteligência e de sua habilidade em brincar com a linguagem, criando um enigma poético que evoca tanto a falta quanto a profundidade, talvez oculta, desse amor. A crítica social se acentua ao mencionar a relação da mulata com figuras de poder, os "coronéis", sugerindo que ela "se passa" e "passa a beiçolina" para se beneficiar dessas conexões, uma observação mordaz sobre as dinâmicas sociais da época.
Finalmente, a proposta de relacionamento do eu-lírico é carregada de um humor ácido e realismo brutal: "Aonde um passa fome / Dois podem passar também". Esta frase, uma variação do famoso verso de "Com Que Roupa?" ("Onde um come, dois não passam fome"), revela a crueza da realidade financeira de muitos casais na época e a ironia característica de Noel ao abordar o amor e a subsistência. A música, em sua essência, é um convite à reflexão sobre as escolhas, os valores e as consequências da vida boêmia no Rio de Noel.
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