Estátua da paciência
Letra
Seu telegrama diz Regressarei brevemente Mas o seu trem fatalmente Chegar não quisNão entendi por que O trem não traz pra cidade A minha felicidade Que é vocêA quem acabar com a raça dos trens Além dos meus parabéns Eu darei como prêmio de consolação O relógio e o prédio da estaçãoEu sou na estação A estátua da paciência E acabei sendo agência De informaçãoSei os itinerários Já decorei os horários O nome dos maquinistas E dos foguistasSeu telegrama diz Regressarei brevemente Mas o seu trem fatalmente Chegar não quisNão entendi, querida Porquê seu trem não regressa Amenizando depressa A minha vida
História da Canção
"Estátua da Paciência", composta por Noel Rosa em 1933, é um dos sambas mais poéticos e melancólicos de sua vasta obra. Lançada em um período de grande efervescência cultural no Rio de Janeiro, a canção capta com maestria o cotidiano e os sentimentos urbanos da época.
O Brasil dos anos 30 dependia fortemente dos trens como principal meio de transporte para conectar cidades e pessoas. As estações eram verdadeiros palcos de encontros, despedidas e, como retratado na música, de longas esperas. Noel utiliza esse cenário para narrar a agonia de um eu-lírico que aguarda por um telegrama que promete um breve regresso, mas que se depara com a dura realidade de um trem que "chegar não quis" – uma sutil e trágica referência a um possível acidente ou atraso indefinido que impede a chegada da pessoa amada.
A genialidade de Noel se manifesta na forma como o protagonista se transforma na própria "estátua da paciência", um observador resignado que, por força da espera, acaba por dominar todos os detalhes da estação: os itinerários, os horários, os nomes dos maquinistas e foguistas. Essa ironia – a de se tornar uma "agência de informação" sobre algo que lhe traz tanta dor – é um traço marcante do lirismo de Noel, que muitas vezes mesclava o humor ácido com a melancolia profunda.
A oferta de "o relógio e o prédio da estação" a quem "acabar com a raça dos trens" é um desabafo carregado de sarcasmo e desilusão, um grito de revolta contra a impotência diante do destino. A música transcende a história de um amor perdido para se tornar um hino à paciência forçada, à fatalidade e à persistência da esperança, mesmo quando ela parece vã. É um retrato pungente da alma carioca, que soube misturar a resignação com um toque de humor amargo, consolidando Noel Rosa como o cronista por excelência da vida e dos sentimentos mais profundos do Brasil de sua época.
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