Minha Viola
Letra
Minha viola Ta chorando com razão Por causa duma marvada Que roubou meu coraçãoEu não respeito cantadô que é respeitado Que no samba improvisado me quisé desafiá Inda outro dia fui cantá no galinheiro O galo andou o mês inteiro sem vontade de cantá Nesta cidade todo mundo se acautela Com a tal de febre amarela que não cansa de matá E a dona Chica que anda atrás de mal conselho Pinta o corpo de vermelho Pro amarelo não pegáEu já jurei não jogá com seu Saldanha Que diz sempre que me ganha No tal jogo do bilhar Sapeca o taco nas bola de tal maneira Que eu espero a noite inteira pras bola carambolá Conheço um véio que tem a grande mania De fazê economia pra modelo de seus filho Não usa prato, nem moringa, nem caneca E quando senta é de cueca Prá não gastá os fundilhoEu tive um sogro cansado dos regabofe Que procurou o Voronoff, doutô muito creditado E andam dizendo que o enxerto foi de gato Pois ele pula de quatro miando pelos telhado Adonde eu moro tem o Bloco dos Filante Que quase que a todo instante um cigarro vem filá E os danado vem bancando inteligente Diz que tão com dor de dente Que o cigarro faz passá
História da Canção
"Minha Viola" é um samba que personifica a genialidade observacional e a verve crítica de Noel Rosa, apresentando um verdadeiro mosaico de personagens e situações do Rio de Janeiro da década de 1930. A canção começa com uma melancolia tipicamente sambista – a viola que chora por um amor perdido, a "marvada que roubou meu coração" – mas logo transita para uma série de vinhetas humorísticas e ácidas que desnudam o cotidiano carioca.
Noel exibe seu lado malandro e desafiador ao se gabar de silenciar outros cantadores e até um galo com sua superioridade musical. Em seguida, aborda com ironia um tema sério da saúde pública da época: a febre amarela. A solução supersticiosa da Dona Chica, que "pinta o corpo de vermelho pro amarelo não pegá", é um retrato hilário e, ao mesmo tempo, melancólico da desinformação e do desespero popular.
O samba prossegue com a frustração do narrador em um jogo de bilhar contra o esperto Seu Saldanha, que manipula as regras a seu favor. A figura do "véio que tem a grande mania de fazê economia" é um dos pontos altos da crítica social de Noel, ao descrever um personagem tão sovina que "não usa prato, nem moringa, nem caneca" e senta "de cueca prá não gastá os fundilho", expondo a excentricidade ou a miséria de forma cômica.
A canção também faz uma referência perspicaz ao Dr. Serge Voronoff, um cirurgião russo famoso por seus polêmicos enxertos de glândulas de macaco (ou, no caso do samba, "de gato") em seres humanos, na esperança de rejuvenescer. O desfecho da cirurgia do sogro, que acaba "pulando de quatro miando pelos telhado", é um sarcasmo genial sobre a charlatanice e a busca vã pela juventude eterna.
Finalmente, Noel pinta o quadro do "Bloco dos Filante", os pedintes de cigarro que inventam desculpas esfarrapadas ("dor de dente que o cigarro faz passá") para justificar o vício. "Minha Viola" é, portanto, muito mais que um samba de desamor; é um documento histórico e social, permeado pelo humor inteligente e a observação aguçada que fizeram de Noel Rosa um dos maiores cronistas de sua época.
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