Composição de 1933

Julieta

Letra

Julieta
Não és mais um anjo
De bondade
Como outrora, sonhava
O teu Romeu
Julieta, tens a volúpia
Da infidelidade
E quem te paga
As dívidas sou euJulieta, tu não ouves
Meu grito de esperança
Que afinal, de tão fraco
Não alcança
As alturas do teu
Arranha-céu
Tu decretaste a morte
Aos madrigais
E constróis um
Castelo de ideais
No formato elegante
De um chapéuJulieta, nem falar
Em Romeu tu hoje queres
Borboleta sem asas
Tu preferes
Que te façam carícias
De papel
Nos teus anseios loucos
Delirantes
Em lugar de canções
Queres brilhantes
Em lugar de Romeu
Um coronel!

História da Canção

A canção "Julieta", composta por Noel Rosa, emerge no Rio de Janeiro dos anos 1930, período de intensas transformações sociais e culturais. Noel, conhecido por sua aguda observação do cotidiano carioca e da alma humana, utiliza nesta letra uma de suas marcas registradas: a crítica sutil e irônica às mudanças de comportamento, especialmente no que tange às relações amorosas e à ascensão do materialismo.

Nesta obra, Noel pinta o retrato de uma Julieta que se desviou do ideal romântico e puro associado à figura shakespeariana. O "Romeu" que sonhava com uma Julieta "anjo de bondade" agora se vê diante de uma mulher "com a volúpia da infidelidade", cujas dívidas ele, Romeu, ainda paga. A letra é um lamento pelo amor idealizado que sucumbiu à realidade pragmática e materialista. A "borboleta sem asas" que prefere "carícias de papel" (dinheiro) e "brilhantes" em vez de "canções" é uma metáfora poderosa da inversão de valores.

A culminância da crítica está na troca do "Romeu" por um "coronel". O coronel, figura de poder e riqueza (frequentemente associada ao sertão e ao autoritarismo, mas aqui adaptada ao contexto urbano como um homem de posses), representa a segurança material em detrimento da paixão e do idealismo. Noel, com sua inteligência peculiar, não apenas narra uma história de desamor, mas tece um comentário social mordaz sobre a desvalorização dos sentimentos genuínos em face do status e da segurança financeira, um tema recorrente em sua obra.

A melodia, típica dos sambas de Noel, embala essa crítica com uma leveza que a torna ainda mais pungente. "Julieta" é um exemplo clássico da habilidade de Noel Rosa em capturar a complexidade da vida carioca, transformando observações do dia a dia em poesia atemporal.

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