Não me deixam comer
Letra
-Todos brincam, fazem farra, gastam o dinheiro. E eu quero gastar mas não posso. Ninguém vive sem comer. Eu, no entanto, quero comer mas não posso. Até os cachorros têm o direito de dormir. Eu quero dormir mas não posso.Gosta de dança e da orgia Ser fuzarqueira é o teu orgulho Tocas vitrola noite e dia E agora durma-se com este barulhoQuero dormir, não posso Quero dormir, não posso Eu tenho um troço que me aborrece Já não janto nem almoçoAndas atrás da minha nota Queres tomar o meu salário E mesmo até no agiota Tu já passaste o conto do vigárioQuero gastar, não posso Quero gastar, não posso Eu tenho um troço que me aborrece Já não janto nem almoçoA cozinheira já não dorme Pois a patroa só mastiga A tua fome é tão enorme Que tens a boca maior do que a barrigaQuero comer, não posso Quero comer, não posso Eu tenho um troço que me aborrece Já não janto nem almoço
História da Canção
A canção "Não Me Deixam Comer", composta pelo genial Noel Rosa, é um retrato pungente e bem-humorado das dificuldades cotidianas, particularmente as financeiras e domésticas, que permeavam a vida carioca nos anos 1930. A letra, carregada de um sarcasmo cortante, descreve a frustração do eu-lírico diante de uma figura, provavelmente sua parceira, que se entrega à boemia ("Gosta de dança e da orgia", "Ser fuzarqueira é o teu orgulho"), gasta excessivamente ("Andas atrás da minha nota", "Queres tomar o meu salário") e possui uma fome insaciável ("A tua fome é tão enorme / Que tens a boca maior do que a barriga").
Noel, o "Poeta da Vila", utiliza sua maestria lírica para transformar queixas pessoais – a impossibilidade de comer, gastar ou dormir em paz – em uma crítica social mais ampla. A canção reflete as tensões financeiras da época, onde o salário mal dava para o sustento, e a figura do "agiota" já era uma realidade para muitos. O eu-lírico expressa seu desespero por não conseguir sequer o básico, enquanto a outra parte esbanja e perturba. A repetição "Quero dormir, não posso / Quero gastar, não posso / Quero comer, não posso" sublinha a impotência e o esgotamento do narrador.
Esta obra é um exemplo clássico da capacidade de Noel Rosa de capturar a essência do cotidiano brasileiro com inteligência e um toque de amargura disfarçada de humor. É uma crônica musical que, apesar de datada, ressoa com questões atemporais sobre gestão financeira, relacionamentos e o direito ao sossego. A referência a "passaste o conto do vigário" até no agiota adiciona uma camada de esperteza ou desfaçatez à figura criticada, realçando o drama do narrador.
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