Composição de 1933

Faz três semanas

Letra

Faz três semana
Tô comendo só banana
Porque não arranjo a grana
Nem ao menos pra almoçarO que eu tô vendo
É que se não me defendo
Vou acabar me comendo
Pra poder me alimentarIsto é despacho
Nunca estive tão por baixo
E se eu não me agacho
Vou morrer de inaniçãoEu me escangalho
De pular de galho em galho
Seu ministro do trabalho
Não me dá colocaçãoMeu esqueleto
Tá pior do que um graveto
Eu já tô virando espeto
Meus olhos estão lá no fundoNum bruto treno
Fui tomar café pequeno
Quero ver se me enveneno
Pra ir comer lá no outro mundoInda outro dia
Fui até a galeria
Só para ver se mordia
O primeiro a aparecerChegou a hora
Eu quis dizer
É agora
Mas Virgem Nossa Senhora
Cadê dente pra moder

História da Canção

A canção 'Faz Três Semanas', se de fato atribuída a Noel Rosa, ecoa a acidez e a observação social que marcaram grande parte de sua obra. Embora não seja uma de suas composições mais célebres ou com documentação histórica robusta que comprove sua autoria de forma inequívoca, sua temática e linguagem se encaixam perfeitamente no universo do 'Poeta da Vila'.

As letras retratam a dura realidade da miséria e da fome, um flagelo que atingia muitos brasileiros, especialmente na efervescência urbana do Rio de Janeiro dos anos 1930. A crise econômica global de 1929 teve reflexos profundos no Brasil, gerando desemprego e dificuldades financeiras. O eu-lírico expressa uma desesperança pungente, mas com o toque de ironia e sarcasmo que Noel dominava. Frases como 'Tô comendo só banana' ou 'Vou acabar me comendo / Pra poder me alimentar' são metáforas cruéis da privação.

A crítica social se acentua ao mencionar o 'ministro do trabalho', uma referência direta às políticas governamentais da Era Vargas, que prometia modernização e justiça social, mas não conseguia erradicar a pobreza mais extrema. A imagem de 'pular de galho em galho' sem 'colocação' ilustra a busca incessante e infrutífera por emprego.

O desespero final, com a vontade de 'tomar café pequeno' para 'se envenenar' e 'comer lá no outro mundo', aliado à incapacidade de 'morder' por falta de dentes, pinta um quadro de degradação física e moral causado pela inanição. Se esta canção não é de Noel Rosa, é, no mínimo, uma homenagem pungente ao seu estilo, à sua capacidade de transformar a tragédia do cotidiano em crônica musical com um sorriso amargo no rosto.

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