Composição de 1932

Cor de cinza

Letra

Com seu aparecimento 
Todo o céu ficou cinzento 
E São Pedro zangado 
Depois, um carro de praça 
Partiu e fez fumaça 
Com destino ignorado Não durou muito a chuva 
E eu achei uma luva 
Depois que ela desceu 
A luva é um documento 
Com que provo o esquecimento 
Daquela que me esqueceu Ao ver um carro cinzento 
Com a cruz do sofrimento 
Bem vermelha na porta 
Fugi impressionado 
Sem ter perguntado 
Se ela estava viva ou morta A poeira cinzenta 
Da dúvida me atormenta 
Não sei se ela morreu 
A luva é um documento 
De pelica e bem cinzento 
Que lembra quem me esqueceu

História da Canção

“Cor de Cinza”, composta em 1932, revela um Noel Rosa mais introspectivo e melancólico, distanciando-se um pouco do cronista boêmio e crítico social. A canção mergulha na dor da perda e na incerteza de um amor que se foi, utilizando a cor cinza como um poderoso símbolo da tristeza, da dúvida e do esquecimento.

A letra é construída sobre uma narrativa enigmática: um céu que escurece com a aparição de alguém, um carro de praça que parte, deixando uma fumaça cinzenta, e a descoberta de uma luva após uma chuva. Esta luva, de pelica e também cinzenta, torna-se o documento comprobatório do esquecimento da amada. A imagem do “carro cinzento com a cruz do sofrimento bem vermelha na porta” sugere um velório ou uma despedida final e dolorosa, deixando o eu-lírico em agonia pela dúvida sobre o destino da mulher: “Não sei se ela morreu”.

Este samba é um exemplo primoroso da genialidade de Noel em traduzir sentimentos complexos em versos simples, mas profundamente poéticos. A ambiguidade sobre a morte ou a mera partida da mulher amada intensifica a sensação de tormento e melancolia, características de uma fase da obra de Noel que explora o lado mais sombrio do amor e da condição humana na paisagem urbana do Rio de Janeiro dos anos 1930. É uma obra que solidifica sua alcunha de “Filósofo do Samba”, não apenas pela sagacidade, mas pela profundidade emocional.

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