Vou te ripar
Letra
Toma cuidado que eu te ripo Porque tu não és meu tipo! E eu contigo não fiz fé Podes dar marcha ré!O banzé, eu sempre evito Pois, não me fica bonito Exemplar uma mulherVivo alegre no meu barracão Não preciso de mobília! Pois, toda minha família Que gosta de um chicote De um facão! De uma ripa, ainda donzela Que vai ter sua função!A mulher, que mais a gente preza Por capricho, nós despreza Acontece sempre assim! De contrastes, o mundo anda cheio! E a mulher que eu mais odeio É quem gosta mais de mim!Tanto tu disseste, que escutei E agora não achas a lei dura! Mas, só acha quem procura E agora, para ter certeza! Vais provar toda dureza Desta madeira de lei!Quem avisa, teu amigo é Tudo acaba nesta vida Até mesmo a paciência! E quando qualquer mulher Fica sendo oferecida É pela conveniência!Nada tu possuis para me dar Tu nasces-te muito pobre! Nem pode gastar pintura Nada tens para mostrar! Não herdas-te sangue nobre E abusas-te da feiura!
História da Canção
A letra de "Vou Te Ripar" (título sugerido para esta obra) evoca a genialidade de Noel Rosa e sua capacidade ímpar de traduzir o cotidiano carioca em versos. Em um Rio de Janeiro em plena transformação nas décadas de 1920 e 1930, Noel, conhecido como o "Filósofo do Samba", tinha um olhar apurado para as nuances sociais e as figuras típicas de sua época, como o malandro e o boêmio.
A canção, com sua linguagem direta e incisiva, reflete a persona do malandro carioca, figura central na obra de Noel. O eu-lírico não hesita em expressar sua rejeição de forma crua e assertiva: "Toma cuidado que eu te ripo / Porque tu não és meu tipo!". A escolha de palavras coloquiais e a construção de frases que parecem tiradas de uma conversa informal eram marcas registradas de Noel, que trazia a autenticidade da rua para dentro do samba, utilizando gírias e expressões populares que ressoavam profundamente com o povo.
O desprezo pela "mobília" em seu "barracão" e a menção a elementos como "chicote", "facão" e "ripa" pintam um quadro da vida boêmia, desapegada dos bens materiais e, por vezes, marginal, que Noel tanto explorou. É a celebração de uma liberdade que se afirma pela astúcia e, em alguns momentos, por uma ameaça velada. A "madeira de lei" no final da canção é um arremate poético e ameaçador, simbolizando a dureza da vida ou a imposição de sua vontade.
Mais do que uma simples rejeição amorosa, a letra tece uma crítica social perspicaz. Frases como "A mulher, que mais a gente preza / Por capricho, nós despreza" ou a irônica observação "E a mulher que eu mais odeio / É quem gosta mais de mim!" revelam um sarcasmo e uma visão desencantada sobre as relações humanas, uma constante no repertório do compositor. A diferença de classes também é explicitada na estrofe final: "Tu nasces-te muito pobre! / Não herdas-te sangue nobre". Noel frequentemente abordava essa clivagem social com ironia e um realismo agridoce.
Esta obra se insere perfeitamente no período de ouro do samba carioca, onde Noel Rosa se destacava pela sua originalidade lírica e pela capacidade de transformar o trivial em poesia, e o conflito em arte. A essência da canção é um testemunho da genialidade de Noel em capturar a alma do seu tempo e de suas personagens, legando-nos um retrato vívido do Rio antigo.
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