Composição de 1934

Precaução Inútil

Letra

Eu vi num armazém de Niterói
Um velho que se julga herói
E teme em ser conquistadorLá no Banco do Brasil
Depositou mais de três mil
Botando água no vinho do barrilSeus lábios só se abriram para falar
Das velhas contas a cobrar
Dos que morreram sem pagarEram dois lábios agressores
Dois grandes cobradores
Dos seus devedoresSeu cabelo tinha cor de burro
Quando foge do amansador
Seus olhos eram circunflexos
Perplexos e desconexosMãos de usuários, braços de cigalho
Corpo de macaco chipanzé maduro
Enfim, eu vi neste velhote
Um imortal pão-duroSeu cabelo tinha cor de burro
Quando foge do amansador
Seus olhos eram circunflexos
Perplexos e desconexosUm bigodão na cara indiscreta
Feito bicicleta com guidão de fora
Enfim, o velho nunca mais
Se casa com a senhoraMãos de usuários, braços de cigalho
Corpo de macaco chipanzé maduro
Enfim, eu vi neste velhote
Um imortal pão-duro

História da Canção

“Precaução Inútil” é uma das pérolas da rica obra de Noel Rosa, o Poeta da Vila, que demonstra sua inigualável capacidade de observação e sátira social. Lançada em 1934, em plena efervescência cultural e social do Rio de Janeiro da década de 1930, a canção pinta um retrato hilário e incisivo de um personagem muito particular: o avarento.

A letra descreve um velho em Niterói, que se gaba de ser um “herói”, mas revela-se um homem medroso em relação aos gastos e aos compromissos, como o casamento. A obsessão do personagem por dinheiro é evidente: ele deposita quantias significativas no Banco do Brasil e vive atormentado pelas “velhas contas a cobrar” de devedores que já morreram. Noel Rosa utiliza metáforas visuais e comparativas para descrever a figura do pão-duro, com detalhes impagáveis como “cabelo tinha cor de burro / Quando foge do amansador” e “olhos eram circunflexos / Perplexos e desconexos”, sublinhando a bizarrice e a fixação do velho.

A expressão “botando água no vinho do barril” é uma ironia que sugere a frugalidade excessiva ou a diluição dos prazeres da vida em nome da acumulação. O clímax da sátira se dá na conclusão de que este “imortal pão-duro” jamais se casará, vivendo uma vida de precaução que se mostra inútil, pois o priva das alegrias e dos laços humanos. A canção é um exemplo primoroso do gênio de Noel em transformar a observação do cotidiano em crônicas musicais, com um humor afiado e uma crítica social sutil, mas certeira, aos valores e comportamentos da época.

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