Felicidade

Ao nos debruçarmos sobre a letra de 'Felicidade', sob a ótica de um historiador de Noel Rosa, somos imediatamente transportados para o universo de melancolia e observação aguda que marcou a obra do Poeta da Vila. Embora esta canção em particular seja amplamente reconhecida como uma das obras-primas de Cartola, lançada em 1974 no seu álbum homônimo, sua temática ecoa sensibilidades que Noel Rosa também explorou com maestria em seu tempo.

As linhas 'Trago no peito / O sinal duma saudade / Cicatriz de uma amizade / Que tão cedo vi morrer' ressoam com a profunda tristeza e o desencanto com a vida que Noel muitas vezes expressou, seja sobre amores perdidos ou a boemia que cobrava seu preço. O verso 'Eu fico triste / Quando vejo alguém contente / Tenho inveja dessa gente / Que não sabe o que é sofrer' é um exemplo vívido da ironia melancólica e da percepção do sofrimento como um destino quase inerente, sentimentos frequentemente presentes nas composições de Noel.

A menção ao 'destino traçado no baralho' e ao nascimento 'pra batucar' reflete a resignação e a celebração de uma vida descompromissada com o trabalho formal, um traço marcante do malandro carioca que Noel tanto soube retratar. Assim, mesmo não sendo de sua autoria, a letra nos convida a uma reflexão sobre como Noel Rosa, o cronista do seu tempo, teria interpretado e eternizado tais emoções em seus sambas, dada a profundidade e a familiaridade dos temas com o caldo cultural da malandragem e da boemia do Rio de Janeiro.