Envio essas mal traçadas linhas
Letra
Cordiais saudações! Envio estas mal traçadas linhas Que escrevi à lápis Por não ter caneta Andas perseguido Para que escapes Corta o teu cabelo E põe barba pretaEm vão te procurei Notícias tuas não encontrei Mas ontem te escutei E este bilhete ao Fígaro entregueiSem mais para acabar Recebe o beijo Que eu vou mandar Eu amo, com amor não brinco Niterói, trinta de outubro de trinta e cinco... Responde que eu pago o selo?
História da Canção
"Envio Essas Mal Traçadas Linhas" é uma joia do cancioneiro de Noel Rosa que se destaca por sua forma narrativa incomum: uma verdadeira carta musicada, datada de "trinta de outubro de trinta e cinco" (1935), período efervescente do Brasil de Getúlio Vargas. A letra, escrita com a sensibilidade e o olhar arguto do Poeta da Vila, revela uma mistura de urgência, afeto e a crueza do cotidiano carioca.
Noel constrói uma cena onde o remetente, sem caneta, escreve apressadamente a lápis para um amigo ou amante que se encontra em apuros. A instrução para "cortar o teu cabelo e pôr barba preta" sugere que o destinatário está sendo "perseguido" e precisa se disfarçar para escapar, um retrato vívido das artimanhas da malandragem ou, talvez, das tensões políticas da época. A menção ao "Fígaro" — o famoso barbeiro-mensageiro da ópera de Rossini — adiciona um toque cultural e irônico, indicando que a mensagem era de caráter confidencial e urgente.
Apesar da gravidade da situação, a carta não perde a ternura. O eu-lírico expressa sua busca infrutífera por notícias e a alegria de finalmente "escutar" o amado. O desfecho é uma declaração de amor sincera ("Eu amo, com amor não brinco") e um toque de realismo comovente: "Responde que eu pago o selo?". Essa última frase, tão trivial e ao mesmo tempo tão cheia de expectativa, encapsula a genialidade de Noel em transformar detalhes prosaicos em poesia profunda, revelando o desejo de manter a conexão a todo custo. A música é um testemunho da capacidade de Noel de capturar a alma do Rio de Janeiro dos anos 30, com seus perigos, seus amores e sua gente astuta.
Tópicos Relacionados
Conheça outras obras
Mais crônicas e versos do Poeta da Vila o aguardam no acervo.
Explorar o Acervo Completo