Composição de 1935

Dono do meu nariz

Letra

Miséria... de vez em quando
Prestamistas recitando
Minhas contas no portão
E a criada, calmamente,
Diz que eu estou ausente
E não lhe deixei tostão...Mas alguém que está gozando
Porque vive me manjando
Percebeu que eu não saí...
E aspiro no terreiro
L'Origan de galinheiro
Meu L'Origan de "galli"...¹E no meu ninho de penas
Vejo aves tão serenas
A quem dei milho na mão
O vendeiro por afronta
Suspendeu a minha conta
E eu vou ficar sem feijão...Dono deste meu nariz,
Não paguei porque não quis...
Não sou de todo infeliz
Por consolo vou gritando:
Neste meu nariz eu mando...
E... galinha não tem nariz!
¹ Jogo de palavras com certa colônia bem em voga à época: L'Origan de Coty[Paródia para Dona da Minha Vontade, de Francisco Alves e Orestes Barbosa]

História da Canção

'Dono do meu nariz' é uma das mais brilhantes e autoirônicas composições de Noel Rosa, representando de forma singular o espírito do 'Poeta da Vila' e o cotidiano da boemia carioca dos anos 30. Trata-se de uma paródia genial da canção 'Dona da Minha Vontade', um sucesso romântico de Francisco Alves e Orestes Barbosa, lançada em 1934.

Noel, com sua sagacidade inconfundível, subverteu a melodia e a estrutura da obra original para narrar sua própria realidade: as constantes pressões financeiras, os prestamistas na porta e a arte de se esquivar de cobranças. A letra descreve com humor a cena em que a empregada diz que ele está ausente e sem tostão, enquanto alguém que o 'manja' (observa) percebe que ele não saiu, aspirando no terreiro um 'L'Origan de galinheiro' — uma alusão hilária ao luxuoso perfume L'Origan de Coty, trocando a fragrância sofisticada pela rusticidade do quintal.

A canção é um retrato vívido da vida de Noel, que, apesar das dívidas e da miséria ('o vendeiro suspendeu a minha conta e eu vou ficar sem feijão'), jamais perdia a pose ou o bom humor. O refrão 'Dono deste meu nariz, não paguei porque não quis... Neste meu nariz eu mando...' é um grito de independência e autoafirmação, típico da personalidade de Noel, que se recusava a ser dominado pelas adversidades. A sacada final, 'E... galinha não tem nariz!', é um toque de nonsensicalidade e malandragem que arremata a canção com uma risada, reafirmando sua autonomia e desdém pelas convenções, mesmo diante da falta de recursos.

Esta música não só diverte como também oferece um panorama autêntico da luta e da resiliência dos artistas da época, que, com criatividade e ironia, transformavam suas dificuldades em arte.

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