Composição de 1932

Coração

Letra

Coração
Grande órgão propulsor
Transformador do sangue venoso em arterial
Coração
Não és sentimental
Mas entretanto dizem
Que és o cofre da paixão
Coração
Não estás do lado esquerdo
Nem tampouco do direito
Ficas no centro do peito - eis a verdade!
Tu és pro bem-estar do nosso sangue
O que a casa de correção
É para o bem da humanidadeCoração
De sambista brasileiro
Quando bate no pulmão
Lembra a batida do pandeiro
Eu afirmo
Sem nenhuma pretensão
Que a paixão faz dor no crânio
Mas não ataca o coraçãoConheci
Um sujeito convencido
Com mania de grandeza
E instinto de nobreza
Que, por saber
Que o sangue azul é nobre
Gastou todo o seu cobre
Sem pensar no seu futuro
Não achando
Quem lhe arrancasse as veias
Onde corre o sangue impuro
Viajou a procurar
De norte a sul
Alguém que conseguisse
Encher-lhe as veias
Com azul de metileno
Pra ficar com sangue azul

História da Canção

Noel Rosa, o Poeta da Vila, tinha uma habilidade ímpar para dissimular críticas sociais e filosofias complexas sob a aparente leveza do samba. "Coração" é um exemplo brilhante dessa maestria. A letra subverte a imagem romântica do coração como centro das emoções, apresentando-o, de forma quase didática, como um órgão puramente fisiológico: "Grande órgão propulsor / Transformador do sangue venoso em arterial".

A ironia de Noel atinge seu auge ao comparar a função do coração para o sangue com a "casa de correção" (presídio) "para o bem da humanidade", uma crítica sutil e mordaz às instituições sociais e, talvez, à própria ideia de "correção" imposta. Essa comparação revela o olhar crítico do sambista sobre as contradições sociais de sua época.

A segunda parte da canção direciona o sarcasmo à vaidade e à pretensão social, personificadas no "sujeito convencido" que anseia por ter "sangue azul" – um símbolo de nobreza e distinção europeia – a ponto de gastar "todo o seu cobre" (dinheiro) e procurar por alguém que o ajude a "encher-lhe as veias / Com azul de metileno". É uma sátira contundente à busca por status e à futilidade das aparências, tão presente no Rio de Janeiro dos anos 1930.

Lançada por volta de 1932, "Coração" reflete o período de efervescência cultural e social no Rio de Janeiro, onde as desigualdades eram palpáveis e Noel, com sua inteligência afiada, as traduzia em versos memoráveis, mantendo seu lugar como um dos maiores cronistas musicais e sociais do Brasil.

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