Araruta
Letra
Tu pedes Mandando "Faça o favor" a tua boca nunca diz.Tu cedes Negando Com esses olhos que para mim são dois fuzis.Sou mole, Manhoso, Teus impropérios retribuo com brandura Pois água mole Na pedra dura tanto bate até que fura!Tu beijas Mentindo A tua boca beija e mente sem sentir.Desejas Sorrindo Que o teu perdão humildemente eu vá pedir.Não peço, Espero Ainda ver-te entre lágrimas bem mal. Meu bem, escuta: A araruta tem seu dia de mingau!
História da Canção
"Araruta" é uma das composições que melhor exemplificam o gênio lírico de Noel Rosa, o "Filósofo do Samba", no Rio de Janeiro dos anos 1930. Naquela década, o samba urbano consolidava-se como trilha sonora da boemia carioca, e Noel destacava-se por sua capacidade ímpar de traduzir o cotidiano, as relações humanas e as malícias da vida em versos sofisticados e cheios de ironia.
A canção mergulha na complexidade de um relacionamento amoroso marcado por um jogo de poder e manipulação. A letra descreve uma mulher ardilosa que "pede mandando", "beija mentindo" e tem "olhos que para mim são dois fuzis". Diante dessa figura dominadora, o eu-lírico se apresenta como "mole, manhoso", retribuindo "impropérios com brandura".
Contudo, a aparente submissão do protagonista é uma estratégia calculada, revelada pelo uso de dois provérbios populares, que são o cerne da sagacidade da composição:
- "Pois água mole na pedra dura, tanto bate até que fura!": Este ditado, aplicado aqui, sugere que sua paciência e sua maneira suave acabarão por desgastar a dureza e a intransigência da parceira, ou que sua persistência trará o resultado esperado.
- "Meu bem, escuta: A araruta tem seu dia de mingau!": Uma expressão menos comum, mas igualmente pungente. A araruta, um tubérculo humilde, é base para um mingau nutritivo. A metáfora é uma promessa velada de vingança poética: mesmo o mais fraco ou menosprezado terá seu momento de glória ou de acerto de contas. Neste contexto, o eu-lírico espera pacientemente o dia em que verá a parceira "entre lágrimas bem mal", desfrutando de sua própria forma de triunfo.
"Araruta" é um samba que, com sua mistura de resignação e sarcasmo, demonstra a maestria de Noel em capturar a psicologia humana, transformando a dinâmica de um relacionamento tóxico em uma obra de arte atemporal, cheia de inteligência e observação afiada.
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