Composição de 1933

Contraste

Letra

É cruel, é cruel este contraste
Que me faz ficar tão triste
Vais sair por onde entraste
Descendo por onde subiste!Foi com muito sacrifício
Que eu te dei um barracão
O dia do benefício
É véspera da ingratidãoTu tens tanta falsidade
Já vendeste tanta gente
Que eu creio ser verdade
Que Judas já foi teu parenteAbusaste do meu nome
Deste sempre bola errada
Mas tu vais morrer de fome
Com tua conversa fiadaVou fazer tua desgraça
Hei de ser teu inimigo
Acabando com a cachaça
Também eu acabo contigoQuando eu mandar no jogo
Hás de ter entrada franca
Jogo fora o pau-de-fogo
E tu não abafas a bancaComeçaste me humilhando
Me fizeste de capacho
Mas agora estou mandando
E tu já ficaste por baixo

História da Canção

A canção "Contraste", de Noel Rosa, é uma pérola de sua obra, que se destaca pela acidez da crítica e pela perspicácia na observação dos comportamentos humanos. Lançada por volta de 1933, em um período de efervescência para o samba carioca e intensa produção do Poeta da Vila, esta música é um exemplo primoroso de sua capacidade de transformar uma possível desilusão pessoal em uma crônica universal sobre ingratidão e falsidade.

A letra, um verdadeiro libelo, começa com a constatação: "É cruel, é cruel este contraste / Que me faz ficar tão triste", imediatamente estabelecendo um tom de amargura e decepção. Noel não poupa palavras ao descrever o destinatário de sua ira, que se verá em uma queda inevitável: "Vais sair por onde entraste / Descendo por onde subiste!".

O ponto central da queixa é a ingratidão, evidenciada na passagem: "Foi com muito sacrifício / Que eu te dei um barracão / O dia do benefício / É véspera da ingratidão". Aqui, Noel expõe a amargura de quem ofereceu ajuda – simbolizada pelo "barracão", uma habitação simples – e foi recompensado com a traição. A referência a "Judas já foi teu parente" sublinha a profundidade da perfídia imputada ao personagem, classificando-o como um tipo traiçoeiro e falso, que "vendeste tanta gente".

A canção evolui para uma declaração de guerra, onde Noel, ao estilo de suas famosas polêmicas, afirma que o jogo virou: "Abusaste do meu nome / Deste sempre bola errada / Mas tu vais morrer de fome / Com tua conversa fiada". O Poeta da Vila anuncia uma reviravolta na relação de poder: "Vou fazer tua desgraça / Hei de ser teu inimigo / Acabando com a cachaça / Também eu acabo contigo". Esta última parte pode ser interpretada como um corte radical com um vício ou com uma relação tóxica, sugerindo que o fim da dependência levará também ao fim do aproveitador.

Noel celebra a sua própria ascensão e a queda do outro: "Quando eu mandar no jogo / Hás de ter entrada franca / Jogo fora o pau-de-fogo / E tu não abafas a banca", deixando claro que agora ele detém o controle e o adversário não terá mais sucesso. O desfecho é de triunfo: "Começaste me humilhando / Me fizeste de capacho / Mas agora estou mandando / E tu já ficaste por baixo". "Contraste" é, assim, uma obra-prima de vingança poética e uma fotografia da malandragem e da traição humana, tudo embalado na genialidade melódica e lírica de Noel Rosa.

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