Como é que eu posso?
Letra
Como é que eu posso? Cozinhar sem banha Sem cebola e alho Sem vinagre cheiro Como é que posso? Ter bom paladar Se você não deixa Dinheiro, pros vendeirosFique sabendo Que o feijão bichado E o arroz quebrado Que alguém me vendeu Já despejei tudo no terreiro Veja bem o dinheiro Que você perdeu!Ou você acaba com essa Economia! Ou acaba-se nossa amizade! Já reclamo isso quase todo dia Você me responde Com simplicidadeMinha casa é boa Minha filha está soberba O óleo e o vinagre Cada vez subindo mais! Saio pedindo emprestado A cada dia, a um vizinho Eu vou continuar fazendo Do jeito que você faz!
História da Canção
A canção "Como é Que Eu Posso?", composta por Noel Rosa em 1932, é um retrato pungente e irônico das dificuldades econômicas que assolavam o Brasil durante a Grande Depressão, cujos efeitos se refletiam diretamente no cotidiano das famílias brasileiras. Noel, um mestre em observar e traduzir a alma carioca e suas mazelas, aqui se debruça sobre a crise financeira doméstica com uma perspicácia notável.
A letra, construída como um lamento que evoca um diálogo, expõe a frustração de quem precisa cozinhar "sem banha, sem cebola e alho, sem vinagre cheiro" por falta de dinheiro para comprar ingredientes básicos. A menção ao "feijão bichado e o arroz quebrado" não é apenas um detalhe culinário, mas um símbolo da precarização da vida e da alimentação. A irritação culmina na ameaça de ruptura: "Ou você acaba com essa Economia! Ou acaba-se nossa amizade!".
A resposta do outro lado (presumivelmente o responsável pelas finanças ou o "marido" no contexto da época) é igualmente reveladora. A simples constatação de que "Minha casa é boa, Minha filha está soberba" é contrastada imediatamente com a realidade do aumento dos preços: "O óleo e o vinagre, Cada vez subindo mais!". A cena de "Saio pedindo emprestado, A cada dia, a um vizinho" humaniza a luta diária pela sobrevivência e a vergonha de não conseguir manter o lar.
A genialidade de Noel se manifesta na linha final, carregada de sarcasmo: "Eu vou continuar fazendo, Do jeito que você faz!". É um golpe final que expõe a hipocrisia ou a incapacidade de quem critica a má gestão, mas não oferece soluções, perpetuando o ciclo de dificuldades. A canção é, portanto, uma crítica social afiada à situação econômica, à inflação e, simultaneamente, um espelho das tensões conjugais e familiares geradas pela pobreza. É um samba que, além de ser um deleite musical, serve como um valioso documento histórico sobre o Brasil dos anos 30.
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