Samba da boa vontade
Letra
(Campanha da boa vontade)Viver alegre hoje é preciso Conserva sempre o teu sorriso Mesmo que a vida esteja feia E que vivas na pirimba Passando a pirão de areia Gastei o teu dinheiro Mas não tive compaixão Porque tenho a certeza Que ele volta à tua mão Se ele acaso não voltar Eu te pago com sorriso E o recibo hás de passar (Nesta qüestão solução sei dar) Neste Brasil tão grande Não se deve ser mesquinho Quem ganha na avareza Sempre perde no carinho Não admito minharia Pois qualquer economia Sempre acaba em porcaria (Minha barriga não está vazia) Comparo o meu Brasil A uma criança perdulária Que anda sem vintém Mas tem a mãe que é milionária E que jurou batendo o pé Que iremos à Europa Num aterro de café (Nisto eu sempre tive fé)
História da Canção
Em meio à efervescência cultural e às profundas transformações sociais e econômicas do Brasil na década de 1930, Noel Rosa, o Poeta da Vila, compôs o mordaz "Samba da Boa Vontade". Este período foi marcado pela ascensão do governo Vargas, pela intensificação das campanhas de nacionalismo e, principalmente, pelo impacto devastador da Grande Depressão de 1929, que atingiu em cheio a economia cafeeira brasileira.
A letra é uma crítica sutil e irônica às campanhas de otimismo governamentais, como a própria "Campanha da Boa Vontade", que incentivavam a população a manter o sorriso e a esperança, mesmo diante de uma realidade de privação. Noel descreve com sarcasmo a situação do indivíduo que "vive na pirimba / Passando a pirão de areia", contrastando com a imposição de "viver alegre hoje é preciso / Conserva sempre o teu sorriso". A figura do malandro, que gasta o dinheiro alheio e promete pagar com um sorriso, é usada para ilustrar a superficialidade das soluções propostas para problemas profundos, transformando a dívida em uma anedota de "E o recibo hás de passar".
O ponto alto da sátira, e talvez o mais agudo, reside na comparação do Brasil a uma "criança perdulária / Que anda sem vintém / Mas tem a mãe que é milionária". Esta imagem é uma referência direta à riqueza natural do país e, ao mesmo tempo, à sua má gestão econômica. A frase "Que iremos à Europa / Num aterro de café" é uma alusão escancarada e genial à polêmica política do governo Vargas de queimar excedentes de café para manter os preços no mercado internacional, uma medida desesperada para conter a crise, mas que resultava na destruição de imensa riqueza enquanto o povo passava dificuldades. Noel, com sua sagacidade única, expõe a hipocrisia e o paradoxo de um país rico que destrói sua própria riqueza, enquanto prega a "boa vontade" e a alegria forçada.
Assim, "Samba da Boa Vontade" transcende o universo do samba carioca para se tornar um documento histórico-social, um retrato fiel da complexidade e das contradições do Brasil de sua época, entregue com a leveza e a genialidade irônica que só Noel Rosa dominava.
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