Pela Décima Vez
Letra
Jurei não mais amar pela décima vez Jurei não perdoar o que ela me fez O costume é a força que fala mais forte Do que a natureza E nos faz dar provas de fraquezaJoguei meu cigarro no chão e pisei Sem mais nenhum aquele mesmo apanhei e fumei Através da fumaça Neguei minha raça chorando, a repetir Ela é o veneno que eu escolhi Para morrer sem sentirSenti que o meu coração quis parar Quando voltei e escutei a vizinha falar Que ela só de pirraça seguiu com um praça Ficando lá no xadrez Pela décima vez ela está inocente Nem sabe o que fez
História da Canção
“Pela Décima Vez” é uma das gemas do repertório de Noel Rosa, lançada em 1933, período em que o Poeta da Vila já era uma figura consolidada e admirada no cenário musical carioca. A canção encapsula perfeitamente a sagacidade e a ironia que eram marcas registradas de Noel, transformando um drama pessoal em uma crônica universal sobre a fraqueza humana e a repetição dos erros.
A letra, com sua narrativa aparentemente simples, revela camadas profundas da psicologia boêmia. O eu-lírico jura desistir do amor e do perdão, mas sua própria vontade é subvertida pela força do hábito, descrita poeticamente como “o costume é a força que fala mais forte / Do que a natureza”. A metáfora do cigarro, que é jogado fora e imediatamente apanhado e fumado, ilustra de forma visceral a dependência e a incapacidade de se libertar de um relacionamento tóxico, mesmo quando se sabe o mal que ele causa.
A frase “Ela é o veneno que eu escolhi / Para morrer sem sentir” é um dos versos mais impactantes da canção, revelando uma espécie de masoquismo consciente, uma aceitação resignada da própria desgraça amorosa. No entanto, o ápice da genialidade de Noel reside no desfecho: a descoberta, através de uma vizinha fofoqueira, de que a amada não apenas o trai, mas também se envolve em confusões com a polícia (“seguiu com um praça / Ficando lá no xadrez”). A ironia final, “Pela décima vez ela está inocente / Nem sabe o que fez”, é um tapa de luva na cara da própria ingenuidade do eu-lírico e na pretensa inocência da mulher, que age sem se dar conta – ou fingindo não se dar conta – do impacto de suas ações. É uma crítica ácida à inconsequência e à falta de autoanálise, tão presentes na vida cotidiana da época e, de certa forma, atemporais.
A música reflete a visão de mundo de Noel Rosa, que observava o Rio de Janeiro com um olhar crítico e ao mesmo tempo afetuoso, retratando suas figuras, seus dilemas e suas contradições com uma leveza e uma profundidade inigualáveis. “Pela Décima Vez” é, portanto, não apenas uma canção de amor e desilusão, mas um microcosmo da alma carioca dos anos 30, permeada pela boemia, pelo samba e pela eterna luta entre a razão e a paixão.
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