Negócio de turco
Letra
Seu Jorge turco Tem três anos de Brasil E quando bebe mais de um barril! Encurta o pano de qualquer freguêsComprou por cento e um mil E cento e vinte réis Uma barata pra passear com a mulata Que ele roubou de um português!E a mulata que era torcida Do Vasco da Gama Pra comprar colchão vendeu a cama E jejuava trinta vezes todo o mês E hoje, anda chique e É tratada com todo carinho Já desfalcou o caixa do armarinho Pra reerguer o Sírio Libanês!O seu Maneli Chamou o Jorge de João Banana E já marcou um dia na semana! Pra resolver aquele Caso a cachações O Jorge disse que a banana Às vezes tem sementes E pra vender entrada aos assistentes Só aceita a luta em doze prestações
História da Canção
"Negócio de Turco" é um samba de Noel Rosa que se destaca por seu aguçado retrato do cotidiano carioca da década de 1930, utilizando-se de personagens arquetípicos e uma boa dose de ironia. A canção mergulha na efervescência social do Rio de Janeiro pós-Revolução de 1930, um período de intensas transformações urbanas e culturais, com a cidade fervilhando de imigrantes e de novas dinâmicas sociais e comerciais.
Noel Rosa, o "Poeta da Vila", tinha a rara habilidade de criar crônicas musicais que, sob o véu do humor e da malandragem, revelavam profundas observações sobre a sociedade. Em "Negócio de Turco", ele constrói um enredo em torno de Seu Jorge Turco, uma figura que encarna o estereótipo do comerciante sírio-libanês (popularmente chamado de "turco" na época) que, apesar de bem-sucedido e talvez um tanto ardiloso ("encurta o pano de qualquer freguês"), também é propenso a gastos extravagantes e absurdos ("Comprou por cento e um mil e cento e vinte réis / Uma barata pra passear com a mulata"). Essa hipérbole é característica de Noel, que usava o exagero para sublinhar vícios e virtudes da vida urbana.
A mulata da canção, outra figura recorrente na obra de Noel, representa a ascensão social ou a busca por ela, mesmo que por meios questionáveis. Sua trajetória – de vascaína que "pra comprar colchão vendeu a cama" e jejuava por necessidade ou superstição, a uma mulher "chique e tratada com todo carinho" após "desfalcar o caixa do armarinho" para "reerguer o Sírio Libanês" – é um comentário sarcástico sobre a moralidade e as prioridades em um ambiente onde o status e a aparência valiam muito. A menção ao Vasco da Gama contextualiza a paixão popular pelo futebol, enquanto a aspiração de "reerguer o Sírio Libanês" é uma ironia máxima, contrastando a origem humilde com a ambição desmedida, ou até uma crítica à forma como a riqueza era acumulada e exibida.
O conflito com Seu Maneli e a ideia de uma luta a ser paga "em doze prestações" adicionam outra camada de crítica social. Reflete a comercialização de tudo, até mesmo da honra ou da briga, e a pervasiva questão da dificuldade financeira, que levava a soluções criativas para se conseguir dinheiro, mesmo que a prazo. A resposta de Jorge de que "a banana às vezes tem sementes" é uma metáfora ambígua, sugerindo que mesmo o que parece inofensivo ("João Banana") pode ter surpresas ou defesas inesperadas.
"Negócio de Turco" é um exemplo brilhante da capacidade de Noel Rosa de pintar quadros vívidos do Rio de sua época, com personagens complexos e situações que, apesar de cômicas, revelam tensões e realidades sociais profundas. A música é um documento histórico que, através do humor, nos fala sobre imigração, comércio, malandragem, e as incessantes lutas por ascensão e reconhecimento na sociedade carioca dos anos 30.
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