Composição de 1934

Morena Sereia

Letra

Morena sereia
Que à beira-mar não passeia
Que senta na praia e deixa a praia cheia
De lindos castelos de areiaCuidado criança
Que qualquer dia um tufão
Derruba estes teus castelos de esperança
E enche de areia o teu coraçãoEu tenho um Bangalô cinzento
Que nos defende do tufão
Entre quatro paredes de cimento
Não há quem possa desmanchar
Nossa ilusão!Se algum dia tu souberes
Que o teu nome eu escrevi
Entre mais de dez nomes de mulheres
Terás certeza que te amei mas te esqueci

História da Canção

"Morena Sereia" é uma canção que encapsula a genialidade poética e a observação afiada de Noel Rosa sobre as complexidades da vida e do amor no Rio de Janeiro dos anos 1930. Lançada em um período fértil da carreira do poeta da Vila, a obra é um exemplo notável de sua habilidade em transformar cenas cotidianas e reflexões pessoais em samba de rara profundidade.

A letra inicia com uma imagem bucólica e aparentemente ingênua de uma "morena sereia" construindo "castelos de areia" na praia. Esta metáfora é rica, representando sonhos, esperanças e ilusões que, embora belos e cativantes, são inerentemente frágeis e passageiros. É a representação da juventude e da crença ingênua em um futuro sem obstáculos.

Noel, com sua perspicácia característica, imediatamente alerta para a efemeridade desses sonhos. O "tufão" surge como uma representação brutal da realidade, das adversidades da vida que podem destruir com facilidade as mais grandiosas esperanças e "encher de areia o teu coração", uma imagem poderosa de desilusão e dor emocional. É um aviso sobre a inevitabilidade das decepções.

A solução proposta pelo eu-lírico é um "Bangalô cinzento" de cimento. Esta é uma imagem contrastante com a leveza da praia e da areia. O bangalô, embora "cinzento" (sugerindo talvez falta de vivacidade ou paixão ardente, um realismo cru), oferece proteção, um refúgio seguro contra os vendavais da vida. Ele não serve para "desmanchar nossa ilusão", mas sim para proteger "nossa ilusão" dentro de suas paredes de cimento. Há um pragmatismo melancólico aqui: a busca por segurança e estabilidade, mesmo que em detrimento da paixão avassaladora e dos riscos que ela acarreta. É um reconhecimento da vulnerabilidade humana e da necessidade de construir defesas emocionais.

O final da canção revela uma das marcas registradas de Noel: a ambiguidade e a complexidade dos sentimentos. A confissão de ter amado, mas de ter esquecido a "morena" entre mais de dez nomes de mulheres, é um misto de sinceridade e um certo cinismo. Ela sugere que o amor, mesmo quando intenso ("te amei"), pode ser transitório e que a vida continua, com novas paixões surgindo e outras se esvaindo. Não é uma crítica direta à mulher, mas uma constatação da impermanência dos afetos, uma reflexão sobre a memória e o esquecimento no campo das relações amorosas. "Morena Sereia" é, portanto, uma obra que reflete sobre a fragilidade dos sonhos, a dureza da realidade e a natureza volátil do coração humano, tudo isso embalado pela melodia suave e melancólica do samba-canção.

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