Malandro medroso
Letra
Eu devo, não quero negar, mas te pagarei quando puder Se o jogo permitir, se a polícia consentir e se Deus quiser Não pensa que eu fui ingrato, nem que fiz triste papel Hoje vi que o medo é o fato e eu não quero um pugilato Com seu velho coronelA consciência agora que me doeu E eu evito concorrência, quem gosta de mim sou eu! Neste momento eu saudoso me retiro Pois teu velho é ciumento e pode me dar um tiroSe um dia ficares no mundo sem ter nesta vida mais ninguém Hei de te dar meu carinho Onde um tem seu cantinho, dois vivem também Tu podes guardar o que eu te digo contando com a gratidão E com o braço habilidoso de um malandro que é medroso Mas que tem bom coraçãoA consciência agora que me doeu E eu detesto a concorrência, quem gosta de mim sou eu! Neste momento eu saudoso me retiro Pois teu velho é ciumento e pode me dar um tiro
História da Canção
A canção "Malandro Medroso" é um retrato vívido e singular da figura do malandro carioca, tão presente na obra de Noel Rosa. Esta composição capta com maestria a essência da boemia da Lapa dos anos 1930, onde as relações sociais, as dívidas de honra e os perigos do cotidiano se entrelaçavam.
A letra, que evoca a clássica argumentação do malandro endividado ("Eu devo, não quero negar, mas te pagarei quando puder"), imediatamente remete à inteligência e ao jogo de cintura necessários para sobreviver nesse universo. No entanto, o que a distingue é a franqueza surpreendente do protagonista ao admitir seu "medo" e sua aversão a um "pugilato com seu velho coronel".
Noel Rosa era um mestre em desvelar as complexidades humanas, e aqui ele nos apresenta um malandro que, apesar da pose e da vivência nas ruas, possui um instinto de autopreservação aguçado. A ameaça do "velho ciumento" que "pode me dar um tiro" não é tratada com bravata, mas com uma retração estratégica, revelando a ironia do samba: a malandragem não é sinônimo de temeridade cega, mas sim de astúcia e, por vezes, de prudência.
A repetição do refrão "A consciência agora que me doeu / E eu detesto a concorrência, quem gosta de mim sou eu! / Neste momento eu saudoso me retiro / Pois teu velho é ciumento e pode me dar um tiro" sublinha essa decisão pragmática. A "consciência" aqui pode ser lida tanto como remorso quanto como uma justificativa para a retirada estratégica.
"Malandro Medroso" é um samba que, através de sua narrativa espirituosa, oferece uma janela para os dilemas morais e práticos da vida boêmia, a fragilidade das relações e a perspicácia de um personagem que, embora "medroso", promete "bom coração" e lealdade quando os tempos forem difíceis. É uma joia que adiciona mais uma camada à rica tapeçaria de tipos humanos que Noel Rosa tão brilhantemente imortalizou em sua obra.
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