Habeas-corpus
Letra
No tribunal da minha consciência O teu crime não tem apelação Debalde tu alegas inocência Mas não terás minha absolviçãoOs autos do processo da agonia Que me causaste em troca ao bem que fiz Correram lá naquela pretoria Na qual o coração foi o juizTu tens as agravantes da surpresa (E) Também as da premeditação Mas na minh'alma tu não ficas presa Porque o teu caso é caso de expulsãoTu vais ser deportada do meu peito Porque teu crime encheu-me de pavor Talvez o habeas-corpus da saudade Consinta o teu regresso ao meu amor
História da Canção
"Habeas-Corpus" é uma das composições mais geniais e peculiares de Noel Rosa, datada de 1934. Nesta obra, o "Filósofo do Samba" demonstra sua maestria em brincar com a linguagem, transpondo o universo jurídico para a esfera das relações amorosas.
A letra é um primor de trocadilhos e metáforas, onde o eu-lírico assume o papel de juiz em um "tribunal da consciência", condenando a amada por um "crime" amoroso. Termos como "apelação", "inocência", "absolvição", "autos do processo", "pretoria", "agravantes da surpresa e premeditação" são habilmente empregados para descrever a dor e a decepção causadas pelo fim de um relacionamento.
Noel Rosa estava no auge de sua produção nos anos 1930, um período de efervescência cultural no Rio de Janeiro, onde o samba consolidava sua identidade. Sua capacidade de observar o cotidiano, a fala popular e elementos inesperados – como o jargão jurídico – e transformá-los em arte era inigualável. "Habeas-Corpus" não é apenas uma canção de desamor, mas uma sofisticada declaração de "expulsão" do ser amado, onde a inteligência e o humor do compositor se sobressaem à mágoa.
A estrofe final, em particular, é um golpe de mestre: "Talvez o habeas-corpus da saudade / Consinta o teu regresso ao meu amor". Aqui, Noel subverte a lógica da "condenação" ao introduzir a possibilidade de que a saudade, como um "habeas-corpus", possa anular a decisão de afastamento, revelando a complexidade dos sentimentos humanos. Esta obra é um testemunho da sagacidade lírica de Noel, que conseguia transformar a dor em poesia de alta qualidade, cheia de sarcasmo e profundidade.
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